domingo, 2 de outubro de 2011

Tráfico humano: paraenses resgatadas revelam seus dramas

Quando recebeu um convite para trabalhar de babá no Suriname, ela não hesitou em fazer as malas. Com 27 anos e uma dívida de R$ 3 mil na chegada, desceu ao inferno da exploração sexual, escravidão, tráfico e consumo de drogas, de pessoas e até de órgãos.
 A ONG Só Direitos, em Belém, atende 37 casos de vítimas de tráfico humano. De acordo com a coordenadora pedagógica da entidade, Mileny Matos, o grande desafio é fazer com que essas mulheres tenham uma vida normal. 'Em um contexto de pobreza e desemprego, é fácil que a vítima seja novamente levada à rede
de tráfico', diz.
A ONG lançou no último mês a coletânea 'Mulheres em Movimento - Migração, Trabalho e Gênero em Belém', com 11 histórias de sobreviventes. Uma delas, hoje com 30 anos, aceitou ir para Nickerie, no Suriname, onde trabalharia como garçonete. 'Minha carteira de trabalho foi assinada antes da viagem. Quando cheguei, era uma boate', relata. 'No primeiro dia, a dona do bordel, uma brasileira, desdenhou quando afirmei que não sabia que tinha ido para lá fazer programa', destaca.
Os programas custavam entre R$ 70,00 e R$ 100,00. 'Até para comer, era preciso seduzir um homem para fazê-lo consumir no bar. Quando não conseguíamos, as outras meninas dividiam com a gente', explica. 'Em menos de um mês, não sabia mais quanto devia ou com quantos homens dormia a cada noite para pagar as dívidas', conta. Ela fugiu para um garimpo, onde morou e trabalhou como cozinheira por três anos antes de voltar a Icoaraci. Hoje ela faz curso técnico em radiologia.
Babá - A oferta do emprego de babá em outro país parecia perfeita para uma moça analfabeta e com quatro filhos. 'Meu quarto filho tinha acabado de nascer. Me receberam em Paramaribo com um cigarro de pasta de cocaína. Precisava estar dopada para me prostituir', diz a vítima.
Cansada da exploração sexual, agressões físicas e estupros, pediu a uma cliente do bordel que a ajudasse a sair. 'Essa mulher me vendeu a um traficante em Paramaribo. Por dois anos trabalhei para ele, sempre vigiada', revela.
Ela foi dada como morta pela família e presenciou a morte de três amigas, escravas dos traficantes, uma delas paraense. 'Os olhos eram sempre arrancados. Acreditoque seja uma forma de nos aproveitar até o fim, uma vez que éramos mercadorias', avalia.
Quando vendia drogas nas ruas de Paramaribo, ficou grávida. Nem o bebê escapou dos maus-tratos. 'Recém-nascido, teve a cabeça raspada com gilete. Tenho medo que façam de novo algo ruim com ele', revela. Ela voltou ao Brasil com a ajuda de uma amiga paraense. 'Ela me tirou do cativeiro, saímos direto para a Embaixada brasileira. Tive muita sorte, porque sem documentos e na criminalidade, não conseguiria voltar sozinha'.
Ela desembarcou em Belém no início do ano passado, com um saco de roupas sujas de sangue e o quinto filho no colo. Precisou largar o vício em drogas e realizar um sonho antigo - aprender a ler e escrever. (ORM)

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